Herança histórica e cultural
A competência brasileira nos campos é inegável, uma espécie de herança que começou nos anos 10, quando o esporte ainda estava nas mãos da elite, mas atraía multidões graças a craques como Arthur Friedenreich. O fanatismo pelo esporte e a massificação dele na mídia e no cotidiano de alguns torcedores alimentaram tanto a sua prática como a antipatia dos intelectuais pela bola. Da mesma forma, anarquistas e comunistas sentiam-se incomodados com a situação.
Na década de 1930, políticos como Getúlio Vargas souberam usar o fanatismo das massas em benefício próprio. “Getúlio apóia a profissionalização do futebol. E assim as vitórias nos campos passam a ser as vitórias da pátria”, explica o professor-doutor em história da USP, Flávio de Campos, que prepara um livro para falar das relações entre a política e o futebol.
Mas todo esse ufanismo sofre duro golpe na tragédia da Copa de 1950. Um dia antes da final contra o Uruguai, a concentração em São Januário ficou cheia de políticos. Todos desapareceram após a derrota em pleno Maracanã, por 2 a 1, de virada.
O maracanazo, como ficou conhecido o jogo, mudou drasticamente os rumos do futebol nacional. “É quando começa a haver um planejamento estratégico”, afirma Campos. Graças a Paulo Machado de Carvalho, que depois seria chamado de Marechal da Vitória, o Brasil embarcou para o título na Suécia com um médico, um psicólogo e até um dentista em sua comissão técnica.
Da periferia para o mundo
Nos anos 90, o Brasil começa a testemunhar o êxodo de seus jogadores para fora. O jornalista Paulo Fávero cruzou dados da Confederação Brasileira de Futebol e do Banco Central para o trabalho de conclusão do curso de geografia na USP, Globalização, Mercantilização e Geopolítica do Futebol. Fez constatações curiosas. Em 1994, ano do tetra nos EUA, os clubes estrangeiros desembolsaram 14,3 milhões de dólares em 207 jogadores brasileiros. Dez anos depois, a movimentação ultrapassou 102 milhões de dólares, com 849 atletas comercializados. “O Brasil é, sem dúvida, um exportador. Em 2006, o número deve aumentar ainda mais porque a Série B ganha cada vez mais visibilidade”, diz Favero. Em 2005, Portugal aparece como destino preferido dos craques, com 138 contratações, seguido por Japão, com 40, e a Itália, 34. O Vietnã, acredite, levou 30 jogadores brasileiros e aparece na frente da Grécia (28) e da Espanha, que com 24 empata com a Bolívia.
Ainda não se sabe qual será o reflexo do êxodo de jogadores para o futuro da hegemonia do futebol brasileiro, mas há indícios de que a desandada de craques para o exterior não é um bom sinal. Hoje em dia é mais fácil acompanhar jogos do campeonato espanhol e da Copa dos Campeões da Europa do que as fases decisivas do Brasileirão. Fenômenos como Robinho, que atraem a atenção de crianças de vários times, têm sido cada vez mais raros, uma vez que os jogadores embarcam para todos os lugares cada vez mais cedo. Essa relação com os ídolos chamou a atenção do bacharel em educação física Sérgio Settani Giglio, que prepara mestrado sobre o assunto. Sua primeira surpresa após ouvir alguns jogadores profissionais é que Pelé não foi nem sequer lembrado. “A figura do ídolo influencia a infância dos profissionais. É nessa época que eles aprendem a driblar e a copiar as jogadas de quem admiram”, afirma Sérgio. Isso começa a perder o sentido.
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